Como é a acessibilidade de Assassin’s Creed Shadows?

Assassin’s Creed Shadows é o mais novo jogo da famosa franquia da Ubisoft, reconhecida por unir história, ação, stealth e exploração em mundos abertos. Desta vez, a aventura acontece no Japão feudal, onde controlamos dois personagens: Naoe, uma shinobi ágil e furtiva, e Yasuke, um samurai forte e direto no combate. Inclusive, essa é a razão para a demora desse review: quis terminar o jogo e explorar quase tudo antes de fazer essa análise, enfrentando algumas dificuldades por causa da minha baixa visão. Agora sim, vamos direto ao que interessa.

Assassin’s Creed Shadows vem recheado de recursos de acessibilidade, incluindo alguns inéditos na franquia. A Ubisoft vem apostando cada vez mais nessa frente e isso ficou ainda mais claro na entrevista que fiz com David Tisserand na 4ª edição da MGN Magazine, diretor de acessibilidade da empresa. Dá pra sentir que a preocupação com acessibilidade é real e só cresce dentro do estúdio.

Se você ainda está na dúvida se vale a pena comprar o jogo (ainda mais com os preços lá em cima), recomendo ler a análise completa. Pode ser que ela te ajude a decidir com mais segurança.

Como sempre, vou dividir por seções para facilitar a leitura e ajudar quem quiser ir direto ao ponto.

Visual

Um dos primeiros perrengues que enfrentei no jogo foi a escuridão das cenas. Tava bem difícil enxergar os ambientes mais escuros. Mas meu amigo Victor Branco, que também é especialista em acessibilidade em jogos, me salvou com umas dicas valiosas. A principal foi colocar o brilho em 10 e o contraste em 8. Meu Deus, que diferença! Pra quem tem dificuldade em ver ambientes escuros, isso muda tudo. Faz esse ajuste aí e depois me conta se melhorou.

O jogo oferece leitor de tela e audiodescrição, mas ambos estão disponíveis apenas em inglês, tanto no PC quanto nos consoles. Para ativar o leitor de tela, basta alterar o idioma da interface para inglês. Já a audiodescrição só funciona se o idioma do áudio também estiver em inglês. O leitor de tela lê os textos da interface, incluindo ícones do mapa e da bússola. A audiodescrição descreve apenas as cutscenes da história principal.


Imagem 1 - Leitor de tela          

"Ai, mas Belle, a Ubisoft vai atualizar esses recursos pra outros idiomas?" Olha... sendo bem realista: provavelmente não. Até hoje, o único jogo da Ubisoft que teve leitor de tela em português foi o Watch Dogs: Legion. Jogos como Far Cry 6 e Star Wars Outlaws, por exemplo, seguem sem atualização de linguagem pra esses recursos até agora.

Então, sendo honesta: acho difícil ter atualização. Mas vai que tia Ubi me faz queimar a língua, né? 

"Ah, então o jogo tem leitor de tela, quer dizer que é acessível pra pessoas cegas..."
 Calma lá. O jogo até oferece leitor de tela, mas isso não significa que a gameplay seja totalmente acessível pra pessoas cegas.

Não há suporte de navegação durante o jogo. Existe um glossário sonoro que avisa ações como usar rapel, onde tem obstáculo e quando há baús por perto — mas os sons dos baús só tocam quando você tá muito próximo. Pra comparar, em Assassin's Creed Unity os baús tinham sons bem mais fáceis de identificar de longe, só com o áudio.

Só o leitor de tela e os sons do jogo não são suficientes pra tornar a gameplay acessível pra quem não tem nenhum resíduo visual. A visão ainda é exigida o tempo todo. Um exemplo é a linha guia no chão, que indica o caminho, mas é puramente visual  branca, fina e sem nenhum feedback sonoro. Em algumas estradas dá pra usar o cavalo no modo automático pra chegar ao destino, mas isso não funciona em áreas sem estrada ou em missões que exigem sair da rota principal.

Esses recursos podem sim funcionar para pessoas com baixa visão, inclusive em casos mais severos, mas não são suficientes para garantir uma boa experiência para quem é cego total. Um exemplo claro disso é que, ao jogar com a Naoe, a linha-guia sempre leva pela estrada principal, que não é um caminho furtivo. Para mim, com baixa visão, essa linha foi fundamental para evitar que eu ficasse presa entre montanhas. Quando me aproximava do destino, procurava manualmente um lugar escondido. Já com Yasuke, a experiência é diferente: você pode seguir a linha e enfrentar diretamente os inimigos. Falando nele, Yasuke é ótimo para enfrentar grupos maiores, mas ele agarra muito no cenário e não escala quase nada. Por isso, para mim, com baixa visão, foi mais fácil jogar com a Naoe.


Imagem 2 - Linha guia

O jogo oferece alto contraste na interface e na bússola, o que já ajuda bastante. Mas o mapa não acompanha esse recurso, o que dificulta muito pra quem tem baixa visão. O fundo claro com ícones também claros atrapalha a visualização. Já durante a gameplay, não há um modo de alto contraste disponível com exceção de uma habilidade da Naoe, que deixa o ambiente em tons de cinza e destaca inimigos, áreas para se esconder e itens. O problema é que esse recurso só está disponível quando se joga com ela, limitando bastante o acesso visual para quem precisa desse tipo de apoio o tempo todo.


Imagem 3 - Visão de águia Naoe

Para pessoas daltônicas, o jogo segue o padrão da Ubisoft e traz um recurso pros três tipos principais de daltonismo: Deuteranopia, Protanopia e Tritanopia. Esses recursos aplicam esquemas de cores com contraste adaptado, ajudando a destacar melhor os elementos visuais de acordo com o tipo de daltonismo, somente na interface. Além disso, o jogo permite ajustar o tamanho da fonte. Na interface você pode escolher entre tamanho normal, médio e grande. É um recurso simples, mas que já faz diferença. Há um puzzle que exige visão e pressionar o botão no momento exato, o que pode ser uma barreira para algumas pessoas. Mas a boa notícia é que ele pode ser desativado 

Auditiva 

O jogo conta com legendas que destacam o nome do personagem que está falando, além de uma seta indicando a direção da voz. Também são incluídas informações sobre o tom da fala se o personagem está nervoso, feliz, otimista ou assustado. Nas cutscenes, há legendas ocultas que descrevem sons e efeitos sonoros. 


Imagem 4 - Legendas

Durante a gameplay, alguns sons do ambiente aparecem, mas de forma bem tímida. Em comparação com outros títulos da Ubisoft, como Far Cry 6, as legendas descritivas dos sons ambientais deixaram bastante a desejar. Por outro lado, o jogo permite ajustar individualmente as faixas de áudio, o que é um ponto positivo para a acessibilidade.

Visualmente, o jogo utiliza efeitos, como uma roda visual que indica a direção dos inimigos. Porém, essa roda só funciona para indicar a direção dos sons antes que o inimigo perceba o jogador. Após ser avistado, não há indicação visual clara da direção dos sons, exceto no momento exato em que o inimigo percebe você ou quando está escondido. Isso acaba limitando bastante a gameplay para pessoas surdas.


Imagem 5 - Roda

Motora 

O jogo oferece boas opções de acessibilidade motora. É possível remapear completamente os botões tanto no teclado quanto no controle, além de contar com um modo específico para pessoas canhotas, o que facilita a adaptação. Também dá pra desativar a vibração do controle, o que ajuda quem tem sensibilidade tátil ou prefere uma experiência mais suave.


Imagem 6 - Remapear

Há ainda uma função de andar automático, que faz o personagem se mover pra frente sozinho o jogador só precisa ajustar a direção com o analógico ou o mouse. Em puzzles que exigem pressionar repetidamente ou no tempo certo, é possível desativar essa mecânica nas configurações.

No combate, há opções para simplificar os combos, reduzindo a quantidade de botões que precisam ser pressionados, o que torna a experiência mais acessível para pessoas com mobilidade reduzida.

Cognitivo e mental

Para pessoas com barreiras cognitivas ou mentais, algumas opções também ajudam. A linha guia, por exemplo, pode ser útil para quem tem TDAH e dificuldade em seguir mapas. É possível ajustar os volumes para sons mais suaves ou até o modo foco que deixa em evidência só os sons necessários. É possível, como já dito, desativar a vibração, o que beneficia pessoas com hipersensibilidade sensorial. Além disso, o jogo permite desativar efeitos visuais mais intensos, como sangue e desmembramento, deixando a experiência mais confortável. As legendas que indicam o tom emocional das falas também podem apoiar quem tem dificuldade em reconhecer emoções pela voz.

Conclusão 

Assassin's Creed Shadows traz recursos de acessibilidade inéditos para a franquia. Pela primeira vez o jogo inclui um leitor de tela, algo já presente em outros títulos da Ubisoft, como Far Cry 6 e Watch Dogs: Legion. No entanto, tanto o leitor de tela quanto a audiodescrição estão disponíveis apenas em inglês.

Um dos destaques é a linha-guia, que facilita bastante a navegação, especialmente para pessoas com baixa visão ou TDAH. Apesar dos avanços, o jogo não conta com uma seção dedicada exclusivamente à acessibilidade, como em outros títulos da Ubisoft, o que dificulta a localização dos recursos  espalhados entre os menus de áudio, legendas e interface.